segunda-feira, 4 de outubro de 2010


Paris, 1919
Sempre me sentira posta de parte. Não interessa de onde vinha, para onde ia, quem era…era feliz. Sempre fora uma felicidade precária, qualquer coisa me fazia cair do abismo e soluçar toda a noite.
Era feliz em casa e na rua. Tinha amigos e tinha amores. Mas soluçava toda a noite.
Entrei e sai de sítios e relações sem nunca encontrar o meu lugar. Tendo sempre um ninho em casa, com a minha família, nunca me senti enquadrada. A questão de não ter quem me compreendesse, não ter um sítio onde me fosse possível ser eu do nascer ao por do sol e, o mais difícil, ser eu durante a noite.
Ao longo do dia era distraída pelos risos, pelas vozes, pelas luzes pelos beijos e abraços. Quando a noite recaia sobre mim, fugia dela imaginando que era de dia noutro lugar, noutro tempo. Ou que era noite num sitio onde a noite fosse algo bom. Algo confortável e não uma escuridão que não acaba. E assim os soluços acalmavam, meios abafados pela almofada, meios abafados pela luz que vinha de dentro para fora.
Um dia enfrentei a noite. Sai à noite, sozinha e a confiar apenas em mim e no Céu. O Céu era o mesmo, eu era a mesma, só tinha que me entregar a ambos.
O chão estava húmido e a bainha da minha saia ficou castanha dois quarteirões depois de fechar a porta.
As muito intermitentes luzes amarelas espelhavam os postes na calçada preta que ressoava debaixo dos meus pés. Olhei à minha volta e ao contrário do que seria de esperar não tive medo. Não tive medo e continuei a andar. Passaram duas pessoas, duas senhoras s. Olharam-me de alto a baixo, sorriram-me e continuaram o seu caminho.
Começava a ter frio. Não queria entrar em nenhum dos poucos cafés que estavam abertos. No entanto era sempre um alívio passar por eles. A luz quente das lareiras e velas iluminou o meu caminho quando os meus fies candeeiros de rua decidiram fazer uma pausa.
De repente o frio fez com que os meus pés não avançassem mais. Apertava o peito com os braços. Pensei que ficava ali, gelada e sem luz suficiente para ver o Céu. Olhei para cima na mesma. Com o mesmo movimento de cabeça olhei para trás e vi um café. Era um café pequeno, praticamente cheio. A janela dizia o nome do café em letras amarelas muito desenhadas. Entrei.
Quando lá dentro, vi um espelho na parede. Nele vi uma mulher loura, muito pálida, com um vestido verde encharcado por causa da humidade da noite.
O meu olhar moveu-se para as paredes que estavam repletas, ora de garrafas de vinho, ora de livros velhos. Senti-me tonta e os meus pés deixaram de estar presos no chão.Um homem velho e gordo apressou-se a trazer-me um copo de algo forte e um cobertor, no qual me embrulhou. Convidaram-me a sentar numa mesa onde estavam duas mulheres e dois homens. Eles liam em voz alta as dissertações de um outro. Elas anuíam enquanto fumavam. Ao lado, dois homens riam sobre as suas bebidas, um grupo muito grande falava muito alto e alegremente. Os livros enchiam as mesas e estavam manchados pela bebida, um gato vadio dormia por cima do balcão.
Olhei para o meu colo, apertei as mãos uma na outra. Voltei a olhar em meu redor…tinha chegado.

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